O máximo de liberdade
Valter da Rosa Borges
ocorre na solidão.
A liberdade menor
é partilhada com os outros.
Mas, sem eles, de que serve
a máxima liberdade
estéril da solidão?
O mundo é feito por nós.
Valter da Rosa Borges
Nós somos os nós do mundo
e em tudo estamos atados.
O eu sem nós não existe.
A morte é o eu desatado.
O mundo é o que tecemos
Valter da Rosa Borges
juntos todos os dias.
Tecelões e tessitura,
somos mãos e somos linhas.
O mundo é carne e tecido,
seres, fatos e coisas
vestindo o nu existir.
O passado cresce como musgo
Valter da Rosa Borges
nas paredes do presente,
até que não haja paredes
livres para o presente.
Até que não haja presente
e nem existam paredes.
O passado tem muitas portas
Valter da Rosa Borges
e, nele, nos perdemos muitas vezes,
sem encontrar a porta do presente.
O que é o vento senão
Valter da Rosa Borges
o vazio em movimento?!
O que é o espaço senão
o vazio parado?!
O que é um borrão
Valter da Rosa Borges
senão uma forma sem nome.
Não tem certidão geométrica.
É uma forma sem forma.
Um transgressor chamado amorfo.
Mas, acontece que a vida
é cheia de borrões
e não dos entes geométricos,
que o homem inventou.
O que fazemos no mundo?
Valter da Rosa Borges
O que o mundo nos faz?
O que nós fazemos juntos
(nós e o mundo), um mesmo nó
numa ciranda sem fim?
Como saber a ação,
que iniciou o universo
e seu cósmico bailado?
Se o movimento é eterno,
quem pode parar os átomos
e imobilizar as galáxias?
O que me doí não é
Fernando Pessoa
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
O que não serve para nós
Valter da Rosa Borges
apenas não nos serve.
Quem percebe
a totalidade
sabe que nada é inútil,
e que as coisas existem
sem explicação.
Se tudo tem um sentido,
qual o sentido do homem,
da flor, da pulga, da estrela?
O SEU SANTO NOME
Carlos Drummond de Andrade
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
O silêncio também é voz.
Valter da Rosa Borges
É aquilo que não foi dito,
porque, se dito, era pouco.
O silêncio não se mede
pela medida da frase.
Excede qualquer semântica.
Não é dicionarizável.
No princípio era o verbo,
mas antes dele o silêncio,
anterior ao princípio.
O sol de fim de tarde pouco aquece.
Valter da Rosa Borges
Em tudo sopra uma saudade fria.
Recolho os sonhos e recolho os fatos:
todos serão iguais no anoitecer.
O sonho é o nosso modo
Valter da Rosa Borges
de caminhar sem o corpo.
O corpo pouco nos leva:
somos nós que o arrastamos.
Queremos ver mais que os olhos,
ouvir mais que os ouvidos,
e exercer a onipresença,
em qualquer lugar do mundo.
O sonho morre quando vira fato.
Valter da Rosa Borges
O que foi fato se transforma em sonho.
O sonho nunca morre enquanto é sonho.
O fato morre em seu acontecer.
O tempo nem sempre apaga
Valter da Rosa Borges
as nódoas do já vivido,
principalmente o sofrido
e as fundas marcas do amado.
O tempo vazio.
Valter da Rosa Borges
O espaço vazio.
O coração vazio.
Um oco que não tem fim.
A solidão sem fronteiras.
Um silêncio surdo-mudo
é testemunha do nada.
O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Fernando Pessoa
Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis
O vazio, alma da forma.
Valter da Rosa Borges
O vazio é qualquer forma.
A alma é o vazio,
que cria todas as formas.
O Vento na Ilha
Pablo Neruda
O vento é um cavalo
Ouça como ele corre
Pelo mar, pelo céu.
Quer me levar: escuta
como recorre ao mundo
para me levar para longe.
Me esconde em teus braços
por somente esta noite,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.
Escuta como o vento
me chama calopando
para me levar para longe.
Com tua frente a minha frente,
com tua boca em minha boca,
atados nossos corpos
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa me levar.
Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopando na sombra,
entretanto eu, emergido
debaixo teus grandes olhos,
por somente esta noite
descansarei, amor meu.
Pablo Neruda
O vento sopra impetuoso,
Valter da Rosa Borges
vergando a copa das árvores.
As folhas caem no chão:
folhas secas, folhas verdes.
Por que não somente as secas?
Odeia-se aquele que é livre,
Valter da Rosa Borges
porque perturba o descanso
das pessoas rotineiras.
O louco é insuportável,
porque vive perdido
na liberdade total.
Onde o sonho não é possível,
Valter da Rosa Borges
começa o território do vazio,
o oco do ser, o chão do nada,
a despercepção e a desmemória.
Ordem e desordem, portanto, são conceitos funcionais. Caos, para o homem, é tudo aquilo que não se ajusta aos seus padrões de ordem, a esquemas perceptuais inatos ou ad-quiridos.
Valter da Rosa Borges
O caos não existe em si, mas referenciado a um dado sistema. Pensamos que a natu-reza é paradoxal, porque acreditamos na repetibilidade absoluta das coisas. Pensamos que só é verdadeiro aquilo que se repete.
Se o homem permanecer durante algum tempo naquilo que ele denomina de caos, em breve descobrirá uma ordem no caos. A ordem é hábito.
Onde você vê um obstáculo,
Fernando Pessoa
alguém vê o término da viagem
E o outro vê uma chance de crescer.
Onde você vê um motivo pra se irritar,
Alguém vê a tragédia total
E o outro vê uma prova para sua paciência.
Onde você vê a morte,
Alguém vê o fim
E o outro vê o começo de uma nova etapa...
Onde você vê a fortuna,
Alguém vê a riqueza material
E o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total.
Onde você vê a teimosia,
Alguém vê a ignorância,
Um outro compreende as limitações do companheiro,
Percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo.
E que é inútil querer apressar o passo do outro,
A não ser que ele deseje isso.
Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar.
"Porque eu sou do tamanho do que vejo.
E não do tamanho da minha altura."
(Fernando Pessoa)