Sander Machado: Tinham sido feito oferendas. Tinham sido entregue



Tinham sido feito oferendas. Tinham sido entregue sacrifícios.

Primeiro encostaram o menino em Ogum. Mas, mesmo assim ele não tirava aquela idéia do mar. Foi a vez de Xangô. Naquela noite cheia de estrelas, céu limpo, escolheram a pedra mais linda para ali depositar seu amalá. Mas, Xangô trovejou, não quis e mandou chuva.



Akoiwé era um menino igual a todos os outros. Ajudava nos afazeres domésticos, carregava madeira para o fogo, brincava e corria. Seus assuntos é que instigavam. Akoiwé queria os peixes nadando dentro de si. Falava de baleias e golfinhos pulando sobre sua cabeça e dizia que seu coração pulsava como as ondas.



Numa pequena vertente Akoiwé teve visões. Akoiwé viu um lugar onde árvores, montanhas e pássaros conversavam entre si. Viu também um povo muito belo e de todas as cores. Mas, de todas as suas visões a que mais lhe impressionava era daquele Deus de braços abertos. Era o mar desse orixá que queria tocar. O mar que tem como farol o redentor.


Os acontecimentos foram além dos limites, pelo menos os limites da mãe de Akoiwé e o ocorrido foi parar no Babalaô. O Babalaô olhou para o menino e o menino olhou para ele. Ficaram alguns instantes perdidos um dentro dos olhos do outro como se estivessem nadando em suas pupilas. Não foi o Babalaô quem primeiro falou, quem disse as primeiras palavras foi Akoiwé:


- Porque o senhor desistiu de querer ser o mar?
O Babalaô ficou pensativo. O Babalaô quis dizer ao menino que quem estava com problema ali era ele. O Babalaô derramou algumas lágrimas.
-Chorar é quando dá enchente no nosso mar. Não é?
-Sim, isto mesmo Akoiwé, quando a alma transborda então os olhos choram.


Em seguida o Babalaô se dirigiu para a sua mãe. Falou alguma coisa em particular com ela. Gesticularam, a mãe fez cara de desagrado, o Babalaô várias vezes deu de ombros, mas estava decidido. A mãe pegou Akoiwé pela mão. Passaram semanas e ela não tocou no assunto. Nunca mais ela disse a ele que não poderia ser o mar.


Era seu décimo oitavo ano.Viu quando a mãe reuniu roupas, colocou fubá e frutas em uma vasilha e sairam. Akoiwé perguntou aonde iam? A mãe respondeu, como se estivesse com a cabeça nas nuvens: - à casa do Babalaô.


O Babalaô estava todo de branco, turbante na cabeça, trajes cerimoniais.
-Como estás Akoiwé? Disse ao jovem com ar solene. Akoiwé retribuiu o comprimento.


- Há 8 anos atrás eu disse a sua mãe que quando completasse teus 18 anos te levaria para conhecer o mar. É chegada a hora de conhecermos aquele que acolhe os peixes como sonhos, banha a fé com esperança, faz da mansidão a força e da força a mansidão.
Akoiwé encheu os olhos de lágrimas.
- Porque choras? Perguntou o Babalaô.
- Estou arrebentando em espumas de felicidade.


Durante 3 anos, o vilarejo desconheceu o paradeiro do Babalaô e de Akoiwé. Foi numa manhã de primavera, quando as árvores começavam a dar flores para carregarem seus frutos e os campos se cobriam de lírios, que eles chegaram. Mas, tanto o Babalaô como Akoiwé, se comportavam como se nada tivesse acontecido.


Numa lua cheia o Babalaô reuniu todos, inclusive Akoiwé estava presente. Estavam eufóricos e o burburinho era grande. Aquietem-se disse o Babalaô e passou a falar.


-Há 8 anos atrás nesta mesma data um menino foi trazido até mim, pois sofria de um grande mal. O menino queria ser o mar. Então prometi a mim e a sua mãe que ele chegando à sua maioridade realizaria comigo essa grande aventura.


Passamos por outros povos, viajamos por noites, andamos por sol. Alguns nada sabiam do mar, outros sabiam, mas não o valorizavam. Os mais sábios nos contaram da sua magnitude e esplendor.


Quando então pudemos estar frente a frente com o mar ele nos abraçou: não éramos mais nós, porque dentro de suas águas e nadando em seu ventre, éramos o corpo do mar e no corpo do mar, não nos sentíamos esfacelados, mas por inteiros. Pudemos ver nossos rostos no mar, o mar-espelho, pudemos ver nossa vida no mar, o mar-navegação, pudemos ver o passado, presente e futuro no mar, o mar-da-vida. Pensamos como aquela gente era abençoada. Para os dias de amor, lá estava o a-mar.


Instantes depois nos viramos e lá estava a mais bela das suas visões. Sobre um enorme monte, de uma distância infinita era possível enxergar ele de braços abertos para nós, para todos, para a vida, para o mar.


Nesta “quartinha” trouxe o mar para todos, falou o Babalaô. Mal terminada a frase libertou a água de dentro da quarta e derramou sobre a terra árida e o mar se fez presente. Desde então, uma vez ao ano, o vilarejo se lava nas água do mar trazida pelo Babalaô e Akoiwé. Um dia de grandes festejos. Dançam, cantam e fazem oferendas. A alma do mar está e estará sempre ali.

Sander Machado

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