"Ausência
Carlucho Vitaliano
É madrugada.
Algemas fictícias atam-me as mãos.
Falsas correntes prendem pés que
eu queria em meu peito aquecer.
Amordaçada está, a boca que eu queria
e um insípido beijo paira na escuridão.
Calada, me é empurrada a palavra garganta abaixo,
num silêncio absurdamente enlouquecedor.
Minhas narinas procuram, inutilmente,
a louca ausência do teu perfume.
Obrigatoriamente surdo, permaneço,
e a insônia insistentemente me pergunta:
O que é a prisão?
Difere a vida da morte?"
EXÍLIO
Carlucho Vitaliano
Insônia é tatear travesseiro
vazio
Insensatez é chamar nome
ausente
Devaneio é segurar mão
distante
Desatino é rir da
saudade
Insanidade é dizer boa noite a
ninguém.
Fascínio
Carlucho Vitaliano
Fascina-me o mar,
com suas ondas
naquele vai e vem insistente
Lembrei-me de mim,
que um dia fui.
E na volta ela me esperava
com um sorriso de ontem nos lábios.
Como sabia do meu fascínio pelo mar
achou que eu me fosse novamente
sem saber que agora eu estava
represado no se abraço,
preso nas ondas do seu olhar.
E me pediu que falasse de vida,
que não sabia, mas já não era sem ela.
Agora me ama em garrafas e
me implora coisas que eu
queria dela implorar.
Ainda fascina-me o mar,
mas o cais tem um sorriso de ontem nos lábios.
Ausculta
Carlucho Vitaliano
Ausculta, meu filho
Ausculta o peito do teu paciente
sem te importares com quem ele seja.
Se for um apaixonado,
auscultará bolhas hiperfonéticas e taquicárdicas.
Se for um rico, pode auscultar um câncer
provocado por um charuto cubano.
Se for um pobre, podes auscultar um silicose
provocada pela inalação da sílica.
Se for um asmático apaixonado,
lembra-te de que uma forte emoção pode
pode provocar uma crise.
Se for uma asmático rico,
lembra-o de remover o carpete
do dormitório aconchegante.
Se for um asmático pobre,
ajuda-o a remover do quarto
os focos de mofo
provocados pela umidade.
Ausculta, meu filho.
Ausculta a todos indiscriminadamente
como se estivesses auscultando o teu próprio peito,
com teu pulmão potente de atleta,
com teu jovem coração apaixonado.
Quanto à forma de pagamento
do teu trabalho,
liga não, peito de apaixonado o amor paga.
Peito de rico,
o convênio alvitante paga,
liga não.
Peito de pobre,
liga não,
Deus paga.
"Lábia
Carlucho Vitaliano
Eu procuro entre páginas
quebradiças de velhos livros
empoeirados, versos prá
te embriagar, sem
sem saber que o meu mais
bonito verso é você e a minha
mais louca embriaguês são os
seus beijos."
ENTREPOSTO
Carlucho Vitaliano
Num monólogo louco
tento saber teus passos.
Onde estás? em casa? pelas ruas?
Que roupas vestes? O que calças?
Se é que calças.
Brincas e sorris ou te perdes
o olhar no nada?
Pensas em mim ou no etéreo
mundo que nos serve de entreposto?
Se nada mais nos acompanha
e de nada vale esperar,
que me falte a vida e que
seja a última parada,
o entreposto.
Reflexo
Carlucho Vitaliano
A paz que se queria, a ausência vai dar.
A tristeza vai substituir a ansiedade.
A lágrima escorre no lugar do suor.
A saudade vai amainar o medo.
A dor quebra o prazer.
A vida se esvai
E lentamente
Se acaba
Só
Se acaba
E lentamente
A vida se esvai
A dor quebra o prazer
A saudade vai amainar o medo
A lágrima escorre no lugar do suor
A tristeza vai substituir a ansiedade
A paz que se queria, a ausência vai dar.
OINICSAF
Carlucho Vitaliano
Não me incomoda
se teus pés pisam areia
e que salgas tua boca com água do mar.
Não me peças que fale de vida
nem de vai e vem de ondas.
Não me interessam as conchas que
não vou ganhar, nem que te
fascines com o mar.
Não me incomoda nada ser
e nem ter um sorriso de ontem nos lábios.
Me incomoda saber-me não mais teu cais.
"Presença
Carlucho Vitaliano
Teus olhos impregnavam-me
a retina como fotos de colorido berrante.
Tua voz lanhava-me os tímpanos,
tua boca roçava-me a pele,
provocando-me calafrios, e
teu cheiro vinha-me às narinas
como loucas noites de passado,
como se você nunca tivesse passado,
e eu nunca tivesse ido.
Era só mais um verão, só mais um inverno,
como se tudo não tivesse sido."
BANHO
Carlucho Vitaliano
Lá vai pelo ralo teu corpo.
Teus olhos, tuas mãos, teus pés, tua boca.
Tuas tetas, tuas coxas, teu corpo inteiro.
Como se eu me despisse de você.
Lavado.
Mas em você me olho
e no espelho dos teus olhos
me vejo: tão nu
e tão vestido.
Noite
Carlucho Vitaliano
Acabou minha jornada de trabalho
Tenho a sensação de missão cumprida
Lá fora, a noite chega complicada
Vou ficar sozinho com meus pensamentos
Tenho vontade de quebrar meu safári,
rasgar a reserva (que eu nunca fiz) daquele
hotel em Tiradentes e,
depois beber num só gole
aquele uísque que guardei prá nós,
ouvindo “Blosson Fell”.
E adormecer te maldizendo, com
vontade de acordar com a certeza
que tudo não passou de um sonho ruim.
Lola
Carlucho Vitaliano
Através do copo de vidro transparente
cheirando a whisky
vi os confetes coloridos colados ao fundo
formando um bêbado caleidoscópio.
Dois deles, negros,
Me lembravam teus olhos.
Carnaval.
Bourbon Street
Carlucho Vitaliano
Eu era branco e preto
As pessoas eram brancas e pretas
As luzes brancas, o asfalto preto
O carro branco, a noite preta
Tudo era branco e preto.
O ambiente era branco e preto
A conversa era branca e preta
A cadeira era branca, a mesa preta
O garçom usava camisa branca e calça preta.
De repente, um drinque colorido, *
extremamente colorido,
inebriantemente colorido,
Aquele piano de teclas brancas e pretas – ficou colorido.
E a sua ausência colorida,
tão insuportavelmente colorida
que a minha vida ficou branca e preta.
"Menina da Janela
Carlucho Vitaliano
A menina da janela
era tão próxima de mim,
mas eu era tão pequeno
que minha mão não
alcançava aquela janela.
E eu, de tanto tentar,
desisti, não sei se dela,
ou se de alcança-la
pela fresta da janela.
Hoje, a menina da janela
é a moça da sacada,
que está tão longe quanto
estão longe os meus sonhos,
e tão inalcansável
quanto eu sou para mim mesmo."
Silêncio
Carlucho Vitaliano
Silêncio!
Silêncio para que eu possa
ouvir teu coração,
ouvir tua respiração,
teus passos,
teus sussurros.
Silêncio!
Silêncio para que eu possa
ouvir eu engolir seco,
ouvir teu estalar os dedos,
teu piscar de olhos,
teu bocejar.
Silêncio!
Silêncio para que eu possa
me ouvir te ouvindo,
ouvir meu pensamento em ti,
minha voz interior gritando teu nome
só para que eu mesmo ouça:
!
e, com o gosto recente do teu
beijo em minha boca,
Silêncio ...
e pensamento.
Contraste
Carlucho Vitaliano
No interior da casa,
em meio as paredes quebradas
e chão empoeirado,
ainda paira a tua presença.
Teus passos estão nos corredores
e a cama que já não tem mais
guarda o relevo do teu corpo.
Quiçá cacos de copos quebrados
esparramados no chão ainda
tragam o batom dos teus lábios.
Talvez ecoem pelos quartos tuas últimas palavras.
Lá dentro, parece que o tempo parou.
Lá fora, a vida continua indiferente.
E, num contraste louco,
tua imagem permanece
num ausência constante
na janela que parou o tempo de dentro.
INSÔNIA
Carlucho Vitaliano
Como dormir o sono insone,
em que a madrugada chega
trazendo o teu nome?
Tua veste, envolta em
poema desnudo acolhe-me
como braços de pagã paixão.
Quem vaga a noite
como fantasma errante?
De quem buscar alento
no universo sem sentido?
Ouvidos, a quem?
"Minhas Mãos
Carlucho Vitaliano
Eu amo minhas mãos.
Elas são feias, eu sei,
mas quando penso no porque desta feiúra,
elas se tornam lindas.
Tenho calos nos dedos, mas
são de tocar violão prá você.
Tenho as unhas roídas e os dedos machucados,
porque, às vezes, a sua ausência se faz tão presente,
que uma saudade doída se transforma
em ansiedade e eu mordo as unhas.
Mas amo minhas mãos.
elas me permitem acariciar seu rosto
e apertar voluptuosamente o seu corpo.
Me permitem segurar as suas.
Me permitem tocar seus lábios levemente,
quando nossos olhos pedem silêncio
para falarem por nós.
Olho então para as minhas mãos,
e vejo meus dedos tortos
de tanto escreverem versos prá você, e
pensando que tudo o que elas fazem
são prá você, já nem sei se amo mais
minhas mãos ou você."
HELENA
Carlucho Vitaliano
Acordei
e não te senti ao meu lado.
Tateei
o colchão, e nada.
Te chamei e um silêncio enlouquecedor
tomou conta do quarto.
Um nada inquebrantável
apossou-se de mim e a presença
do teu perfume se fez
ausente em minhas narinas.
Acendi a luz e não te vi.
E o resto de bagunça sobre
o lençol desarrumado
ainda cheirando a teu suor
me fez perceber
que havia partido.
Senti frio...